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Relato sobre insônia, a visita de um astro do Rock brasileiro, os barulhos de ferro no céu e possíveis poemas pandêmicos.

Luanda, 30 de Junho de 2020. Ele perguntou se podíamos conversar um pouco já que estava acordada em plena madrugada quinze para as três da madrugada. “Caiu da cama donzela?!” sorriu baixinho. Pedi silêncio para Jorge não acordar, ele disse que não ia tocar guitarra, nem trombeta. Fechei a porta do quarto e fomos para a cozinha. Enquanto esperávamos o café ele disse: “Sol, deveríamos tomar chá em vez de café. Mas tradição é tradição”. E sorriu com a mão na boca, a abafar o ruído da risada. Café pronto, brindamos nossas canecas e fomos para a sala. Ele havia aberto a janela para ouvir melhor o barulho do céu. Eu lhe perguntei se ele sabia o que era aquele barulho e ele disse: “Melhor não saber muita coisa Sol. Posso dizer, apenas, que é Deus arrumando as coisas”. Depois falou que é melhor ficar quietinha e escrever e ler e estudar. Eu concordei. No entanto ele deu uma pista a mais e disse que a nova etapa vem com mais calma, mas pede mais consciência. Eu lhe disse: “Etapa na cara,...

MINHA VÓ CANOA, MINHA VÓ RIO

"Menina vem sem palavra." Eu ouvi, depois vi. Vi uma mulher de cabelos longos, meio pretos e meio brancos. Grisalhos. Era tarde da madrugada ou era cedo, começo da manhã? Não sei. Mas levantei e segui aquela Senhora magra e pequena, mas bonita. Bonita de forte e séria. Lá fora nos encontramos com outra Senhora. Pequena também, séria também. Forte, me pareceu. Disse em sussurro: "é cedo, mas já tem gente acordada, vamos sem dar pio nenhum." Eu não sabia o que fazer. Por dois segundos quis trancar a porta, mas quando dei por mim já estava na rua, depois numa canoa, depois num rio, depois num lugar que não identifiquei. Havia muita gente deitada na terra, era uma mata? Uma floresta? Não sei, estava ainda a querer identificar as mulheres que sumiram. De repente um homem pequeno, do meu tamanho (1.50) me dá uma cuia e uma panela de barro e pede para distribuir aquela água às pessoas. Eu assenti. Havia gente de todas as etnias. Eram pessoas. Era gente. Era um mundo de ...

O DESABAFO DO ALDIR

Sonhei com o cronista, talvez por ter ido dormir um pouco perturbada com a pergunta infame do "fã" do poeta Aldir, sobre o que ele tinha feito do dinheiro dos grandes sucessos que compôs… No sonho ele me explicava que a "Arte é um negócio maluco, se você não tem alguém para lhe orientar Sol de Solineide, melhor aprender." Estava incrivelmente calmo, apesar de apresentar uma respiração bastante ofegante. Trazia máscara e tudo o mais. Eu também. Para além das máscaras (minha e dele), o notável compositor estava dentro de uma espécie de bolha plástica, no centro da sala de casa. Depois de uns minutos ele narrou como se sentia e disse que estava muito comovido com a despedida do Moraes. Um pouco sério me perguntou se achava que ele ia falar com o Moraes pessoalmente. "Não tem graça", respondi. Também entendo sobre as dificuldades de ter acesso ao mundo da arte letrada amigo. Porque tem a arte descomposta... sorri sem graça. Ele deu um riso bom e disse...

NÃO VEJO A HORA

A Arte tem colorido meus dias: música, músicas do marido de prima Elvira, Drummond, Gullar, Ezra, Massaud, Manuel……… etc, etc. Estava aqui quietinha, buscando o significado de uns números que vi na janela, durante a noite e praticando a Língua de Sinais e “tcharan”: o disco completo. Uau! Humberto com um disco inédito e muito bom. Muito bom mesmo! As composições, misteriosamente, me tocaram e parecem discorrer sobre esse momento estranho que se vive. Estava a pensar que essa pandemia é um pandemónio de informações e de tudo o que não dou conta. Não dou conta de mais nada, mas eis que de repente aparece o Humberto com esse disco de inéditas, chamado “Não vejo a hora”. Estava olhando para fora da janela a ver o sol dos dias e a pensar no futuro, mas agora de modo diferente. Tão interessante olhar e não ver. Não ver no que vai dar, não saber o que será, mas ter quase certeza que vai ficar tudo bem. De repente o disco de Humberto, figura que não saiu da minha vida. O Engenheir...

DE ABRAÇOS NEGADOS E DE POETAS QUE NOS VISITAM

Ferreira Gullar chegou à noite, com máscara no nariz e luvas e um saco de papel: contendo seu último livro. Ele me olhou com olhos marejados e perguntou se eu tinha coragem de abraçá-lo depois que tomasse um longo banho. Sorri. Depois do banho e do café quente que tomamos eu, Jorge e ele, Ferreira contou sobre as novas. Disse que isso ia passar e que em Agosto, no meu aniversário, já estaria no Brasil. Nesse momento os meus olhos é que marejaram. E não só. Desabei mesmo. Chorei muito, porque sou de chorar, deixo aparente o que sinto (e o que não sinto). Segundo Carl Jung temos quatro funções psicológicas principais, mas uma é superior e a minha função principal superior, chora. Ferreira não soube o que fazer, então ficou quieto e me trouxe um guardanapo, Jorge ficou parado a me olhar. Decidi ir para a cozinha e peguei mais um café, enquanto os dois conversavam na sala. Não ouvi. Decidi ficar um pouco ali, sentei-me numa cadeira, a cadeira da cozinha. Pensando em tantas coisas,...

Ela Imbondeiro

Ela fica triste. Ela fica alegre. Ela se reserva. Ela fecha a porta. Ela abre. Ela bate papo comigo. Ela não me julga. Ela não me critica. Ela me acalma. Eu a amo como estiver. Ela a estar triste, amo Ela a estar alegre, amo. Ela a estar ressequida, amo. Ela a estar chateada, amo. Ela também a mim, me ama. Ela me ouve faz quase 7 anos. Estamos juntas, por inteiro. Ela Imbondeiro. Para "a Mulher de todos os Continentes." (Autoria: Solineide Maria de Oliveira do Patrocínio Rodrigues)

Saudade de Drummond

Jung estava conosco, comigo e Drummond, numa sala grande. Paredes inundadas de quadros de todos os gêneros de pintura. Muitas esculturas nacionais e internacionais (estávamos em Luanda). Jung passava por nós (por mim e Carlos Drummond) e acenava com seu cachimbo. O poeta me diz mais baixinho do que o normal que "fumar cachimbo também faz mal à saúde". Nós se riamos... Depois começava a contar sobre as ideias que tenho atualmente sobre minha escrita e produção de escrita. Drummond me abraçou e disse que tudo vai dar certo. Eu caí num choro imenso. Fiquei chorando no ombro de Drummond por uns cinco minutos.  Depois, aos poucos, me recompus . Aos poucos, enquanto ele recitava os versos do seu poema mais recente. Levantamos e ele propôs um café, assenti. Saímos dali para uma lancheta e conversamos muitos, sobre tudo, sobretudo, sobre todas as coisas. Perguntei de quem era aquela lancheta e ele disse que ali tudo era de todos, que pertencer era maravilhoso, então tudo ali pert...