DE ABRAÇOS NEGADOS E DE POETAS QUE NOS VISITAM

Ferreira Gullar chegou à noite, com máscara no nariz e luvas e um saco de papel: contendo seu último livro. Ele me olhou com olhos marejados e perguntou se eu tinha coragem de abraçá-lo depois que tomasse um longo banho. Sorri.

Depois do banho e do café quente que tomamos eu, Jorge e ele, Ferreira contou sobre as novas. Disse que isso ia passar e que em Agosto, no meu aniversário, já estaria no Brasil. Nesse momento os meus olhos é que marejaram. E não só. Desabei mesmo. Chorei muito, porque sou de chorar, deixo aparente o que sinto (e o que não sinto). Segundo Carl Jung temos quatro funções psicológicas principais, mas uma é superior e a minha função principal superior, chora.

Ferreira não soube o que fazer, então ficou quieto e me trouxe um guardanapo, Jorge ficou parado a me olhar. Decidi ir para a cozinha e peguei mais um café, enquanto os dois conversavam na sala. Não ouvi. Decidi ficar um pouco ali, sentei-me numa cadeira, a cadeira da cozinha. Pensando em tantas coisas, ao mesmo tempo, pensando em nada.

Fui ao banheiro e lavei as mãos, o rosto. Lavei novamente as mãos e enxuguei mãos e rosto. Voltei para a sala e Ferreira deu-me seu mais novo livro, capa vermelha e letras douradas. O poeta lembrou que se arrependia de não ter ido me dar um abraço naquele dia na Livraria Cultura, em São Paulo,  quando da leitura do seu livro Muitas Vozes, em que confessei ser baiana e sua fã e leitora fazia tempo. Ele disse assim: "obrigada, baiana." O poeta pediu-me desculpas, muitas desculpas e disse que se arrependia de não ter ido me abraçar. Nesse momento abracei o livro e de repente perguntei assustada se ele havia desinfetado com álcool (sorrimos). Ele respondeu, ainda sorridente:  "Veio de lá Sol, não precisa disso."

Aproveitei para perguntar como reagiu ao ver que a vida continua. Ele pediu para falar noutra hora sobre esse tema, estava a ficar sem tempo. Pediu para ler o poema que dava título ao livro. Aceitei.
Sentados ali no sofá da sala, eu e Jorge ouvimos o poema. Tão lindo.
Depois da leitura, me perguntou se podia me abraçar. Respondi que sim. Então me deu um abraço tão apertado e consolador, tão cheio de verdade, um abraço tão amigo, mas tão amigo, que acabei chorando quando acordei porque agora qualquer abraço faz falta... Os que demos e os que negamos.

Solineide Maria
Luanda, 03 de Abril de 2020.

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