Relato sobre insônia, a visita de um astro do Rock brasileiro, os barulhos de ferro no céu e possíveis poemas pandêmicos.

Luanda, 30 de Junho de 2020. Ele perguntou se podíamos conversar um pouco já que estava acordada em plena madrugada quinze para as três da madrugada. “Caiu da cama donzela?!” sorriu baixinho. Pedi silêncio para Jorge não acordar, ele disse que não ia tocar guitarra, nem trombeta. Fechei a porta do quarto e fomos para a cozinha. Enquanto esperávamos o café ele disse: “Sol, deveríamos tomar chá em vez de café. Mas tradição é tradição”. E sorriu com a mão na boca, a abafar o ruído da risada. Café pronto, brindamos nossas canecas e fomos para a sala. Ele havia aberto a janela para ouvir melhor o barulho do céu. Eu lhe perguntei se ele sabia o que era aquele barulho e ele disse: “Melhor não saber muita coisa Sol. Posso dizer, apenas, que é Deus arrumando as coisas”. Depois falou que é melhor ficar quietinha e escrever e ler e estudar. Eu concordei. No entanto ele deu uma pista a mais e disse que a nova etapa vem com mais calma, mas pede mais consciência. Eu lhe disse: “Etapa na cara, não é?” Ele deu um riso e bateu de ombro com meu ombro, empurrando-me um pouco no sofá. “Cuidado com a caneca menino, quer manchar meu sofá de café”. Ele sorriu e disse: “Mancha de café é café pequeno Sol!” E gargalhou. “Sol no sonho ninguém ouve nossos barulhos, fica tranquila”. Isso porque eu fui ver se Jorge havia acordado. Depois ele pousou a caneca na mesa e pegou o violão na poltrona. Brincou a dizer: “Sonho é bacana, os objetos surgem no momento que você pensa”. Sorri. Ele contou que a visita era para me dar um ânimo e conversar sobre poesia, bobagens, padarias e nada de pandemias. Eu disse que ele era bobo, ele concordou num riso pequeno. Depois ele disse que posso escrever livros às tulhas com títulos emaranhados. “Sol você pode escolher esses títulos todos olha: poesia de pijama na pandemia, poesia pós pandemia, poesia e pandemia, poesia e pós vida pós pandémicas pandemias, pós vida pós pandemia. Dessa vez eu quem gargalhei. Gargalhamos. Ele me abraçou. Abracei-o. “Renato: a gente vai ficar bem?” Ele me deu a mão e seriamente aconselhou: “Sol, está tudo bem. Entende? Era necessário acontecer uma coisa assim, global. Porque a babaquice egoística é global. A idiotia é global. Precisa destruir e descriar tudo agora minha amiga.” Eu assenti com a cabeça. Mas aí ele deu uma abanada com a mão e disse: “Xô baixo Astral, vamos cantar”. Cantou uma canção muito linda sobre barulhos no céu, sons cheios de ferro, barulhos de ferro, céu de aço. Muito barulho por tudo, pouco aprendizado e muita xxerda… Não deixou que eu anotasse nada e disse: “Dessa vez não tem plágio de fantasma” Sorrimos. Ele falou: “Sou seu fantasma predileto não é? Assume”. Respondi que era um dos mais favoritos. Ele disse que era mentira minha. Depois pegou o violão e a jaqueta marrom. “Aqui em Luanda essa cor é chamada de castanho”. Ele sorriu e disse: “O que é uma cor?” Perguntei-lhe porque estava de cabelos brancos: “Para combinar com os seus bobinha”. Deu-me um forte abraço e me pediu para deixar de procrastinação e escrever tudo. “Escreva até sobre a falta de graça do seu frango cozido, escreva sobre seus cabelos brancos ou seus cabelos caindo”. Sorrimos bastante. Ele disse que deixaria a lembrança de um verso da canção na mesa do escritório. Agradeci muito sua visita a segurar suas mãos. Ele disse que deixaria a casa pela cozinha, para dar a impressão de que foi pegar um suco, ou outra caneca de café. Eu acenei que sim. Solineide Maria.

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