Máquinas não sonham nem comem



A máquina veio e revirou a terra onde a mamã concebeu uma bela plantação para o sustento de sua família. A máquina revirou tudo e foi-se embora... Não fez nada além disso, não era para limpar a terra, não era para arranjar o esgoto da escola há mais de dois anos a céu aberto. Não foi para nada. Apenas revirou e destruiu a lavoura da mamã.
Hoje ela chegou e viu sua plantação revirada, sem força e sem o verde habitual da hora da colheita.
Ficou por trinta minutos ali parada, talvez mais, já que por respeito não fiquei para ver seu choro. Ficou ali parada, sem pensar ou pior, talvez pensando: "E agora? O que vou colher de agora em diante?"
Com a enxada em punho, ajeitou um pé de mamão atropelado pela máquina e catou os frutos ainda verdes, talvez sirva para um cortadinho...
Ela ajeitou também uma das touceiras de pé de Capim Santo (aqui chamam de Caxinde) e quedou-se a olhar ao redor com a enxada a contrabalançar o corpo. Fui ter com os meus papeis, também sem ter o que colher do vocabulário...
No sábado, quando a máquina chegou, pensei imediatamente nela. Acompanhei o trato da mamã  com esse pedacinho de terra todas as manhãs, às cinco, quando lá chegava ela. Semeava e plantava até perto de meio dia...
A hora de plantar é muito bonita, tem um quê que lembra a metáfora dos sete dias da criação do mundo. A hora da colheita também: lembra a poesia da cesta, da sacola de pano, da bacia cheia, do pão e do azeite...
No entanto, hoje foi um dia triste. Um dia sem poesia nenhuma, um dia sem fé, sem força, sem função... Ela olhava ao redor e pude quase ver sua mágoa, tristeza, perplexidade.
Queria lhe dizer de minha admiração por você... Ficarei daqui torcendo que não desista, não suma, não hesite em replantar "sua" gleba. Mesmo sabendo que é muito difícil para você, que mora longe e que possui de seu, apenas os braços e as pernas para o sustento da família.
Ficarei pedindo ao Divino que lhe ampare as forças e que o Universo lhe dê maiores oportunidades para colher o pão, o peixe, a farinha e o azeite neste Natal nos próximos e durante todos os vindouros Anos Novos.

Solineide Maria


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