A SERRALHARIA (saudade se corta com rebarbadora)

O barulho de uma serralharia aqui perto tem me trazido a infância.
É que nos meus tempos de criança até a idade de 14 anos mais ou menos, existia uma serralharia perto da casa dos meus pais. O  barulho nunca me incomodou naquela época, ele chegava na casa dos meus pais tendo percorrido algumas ruas (umas doze ruas por aí).
Hoje, depois de estar a ouvir esse som há alguns dias e ficar contente com a memória afetiva que ele me traz, li uma reportagem sobre o incômodo de morar muito perto de uma serralharia. A cidadã, na reportagem, diz que precisam isolar as paredes daquele lugar (da serralharia), que fica quase ao lado de sua casa. Fiquei tocada com a situação dela. Até senti constrangimento, porque para mim o barulho dos canos a serem partidos, dos ferros a serem moldados e da solda a funcionar como "cola" em restauração de peças de carro e outros, conforta-me meus dias, onde há um Oceano de distância entre eu e minha mãe, meu pai, minha filha, minha família biológica inteira e alguns amigos.
Ainda mais constrangida me senti quando li que a senhora da reportagem está a sofrer de dores de cabeça. E vejam, eu, depois que comecei a rememorar minha infância com o barulho da serralharia, sinto que umas dores de cabeça muito intensas que vinha sentindo, diminuíram um pouco.
A serralharia daqui (endereço em Luanda) também fica distante algumas ruas de onde moro. Não havia pensado nos vizinhos daquela época antes de ler a reportagem que vos assinalo. E na época de infante, muito menos entendia sobre os incômodos que barulheira que a serralharia fazia poderia causar aos vizinhos.
Lembrei dos dois lados de todas as histórias, recordei as duas faces de uma moeda, fiquei pensando naqueles que votaram e nos que não votaram naquele candidato... O lado feliz e o lado triste, o lado bom e o lado ruim, os finais felizes e tristes.
Fiquei lembrando do entremeio de uma narrativa, aquele interdito que a Literatura informa e me senti até culpada por estar a me fazer bem o que tem feito mal à cozinheira aposentada Rosilene.
Porém, para que seja menos rígida com minha alegria lúdica, quero informar que essa serralharia, a que me refaz as imagens da infância feliz que tive, fica distante de casas residenciais. Está cercada por uma plantação de mandioca, mamão, tomate, jiló, maracujá e hortaliças, que Dona Zaila colhe para zungar.
Assim, vou me deitar sem culpa de estar alegre com o barulho da serralharia vizinha que tanto tem me ajudado contra o ferro da saudade, quando me recorda a infância, minha mãe, meu pai, minha família biológica, meus vizinhos, meu bairro. Que tanto tem colaborado contra minhas ferrenhas cefaléias matinais, quando corta, serra ou dobra os ferros para o ganha pão de oito funcionários.

Solineide Maria

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