De discursos frios e comidas quentes (Canções para Flora voltando)

Gosto de ouvir sua voz,
de ouvir seu violão,
gosto de olhar suas mãos
magras,
veias,
unhas,
palmas,
tintas.

Gosto de não ser
escutada,
e repetir
mil vezes a mesma palavra.
Daí você pergunta
pela milésima vez:
"O que você disse mãe"?

"Esqueci"...
Sempre esqueci (ço)
o que ia dizer
pra você.
Porque, talvez,
nunca tenha sido
enfática.

Meu discurso sempre
frouxo,
fraco,
fino (de tísico).

Fino de fraco,
falho,
fosco.

Nunca consegui um discurso cheio,
embasado,
psicanalítico,
sociocrítico,
empostado...

Gosto de quando cozinha
panqueca,
pipoca,
bolo,
massa.
Gosto muito
de quando faz
misto quente diferente.

Minha comida sempre
a mesma,
sem sal,
sem peso,
sem assinatura.
A sua sempre cheia de
identidade.

Saudade.
Saudade.
Saudade.

(Solineide Maria - para minha filha Flora maria - Do livro, na gaveta, Canções para Flora voltando - Luanda, 28/04/19)


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