AS VIAGENS



(Este é um texto sobre lancha, sobre barquinho de papel, sobre saudades, sobre sala de aula, sobre ser professor-pesquisador na época em que não existia Internet, mas sobretudo sobre as boas lembranças das viagens com a professora de Geografia Rita Carvalhal no CEI - Colégio Estadual de Itabuna, sem sair daquela sala de aula tão simples.)

Lancha é bacana, mas prefiro barco de madeira ou barquinho de papel. Em verdade, prefiro aquele barquinho de papel que a gente fazia quando em criança, ele levava a gente por muitos lugares, por imensas águas para além bairro…
Aquele barquinho podia tudo porque era nosso barquinho de papel e tínhamos uns seis, sete anos, apenas… Foi com ele que fui à Ilha de Itaparica.
Depois ouvi falar das Ilhas míticas do Atlântico, mas já não era criança e por isso meu barquinho de papel nada mais poderia fazer por mim se quisesse encontrá-la.
Muito tempo depois conheci Rita Carvalhal, professora de Geografia que me contou (à turma toda) sobre outras Ilhas. Disse que havia um lugar chamado Ilhota, em Santa Catarina, disse que Ilhéus era uma ilha e que no princípio ou inicialmente deram-lhe o nome de “São Jorge dos Ilheos”.
A professora Rita Carvalhal narrava como contadora de histórias. Eu adorava suas aulas… Narrou que Ilhéus pertencia à Ilha de Tinharé pois antes existiam as Capitanias e que Jorge Amado morou em Ilhéus, mas havia nascido em Buerarema e que, na época do nascimento do escritor, Buerarema pertencia à Itabuna que ainda se chamava Tabocas.
A professora Rita Carvalhal contava-me muitas novidades do passado (à classe toda). Eu ficava deslumbrada como ela guardava aquelas informações todas na cabeça e em alguns pedaços de giz.
Às vezes, trazia para a sala de aula umas cartolinas com mapas desenhados por ela para nos dar maior dimensão do que nos ministrava em suas aulas. Outros mapas eram comprados (dinheiro dela) numa livraria chamada “Livraria Brasília”, que até hoje (2018) existe e fica no idêntico endereço de quando era estudante do atual Ensino Médio, antes denominado Segundo Grau.
Às vezes ficava imaginando essa livraria, porque naquele tempo livro era como se fosse um automóvel de tão caro. Penso que ainda seja caro. Hoje equivale a uma máquina de fazer café expresso, acho… Porém, que seja lembrado, livro é caro para quem mora nas beiradas da cidade, para quem é pobre mesmo, para quem ganha salário mínimo, para aqueles cuja renda não passa de 900 reais (que soube daqui que querem extirpar esse direito). Ou compra o bojão para o fogão cozinhar o feijão ou compra o livro…  Não sei quando surgiu o “Sebo”, mas em Itabuna apareceu tarde. Já tinha mais de 15 anos de idade… enfim…
Carvalhal também levava uns livros grandes, eram os chamados Atlas, professora Rita sempre se esmerava para nos amparar nas viagens (aulas).
Tenho tanto amor por ela… Fico triste por nunca ter lhe dito, mas acredito que ela via nos meus olhos atentos e viajadores em todas as suas aulas de Geografia.
Gostava da risada dela, parecia a risada de Irene que Caetano narra em sua música. Caetano me foi apresentado por Sueli Arcanjo. Sueli era estudante de Filosofia na FESPI que hoje é UESC universidade onde graduei-me em Letras e reencontrei Rita Carvalhal num Seminário. Ela lembrou o meu nome… Fiquei tão lisonjeada. Havia ido comprar um café no Seu Lelê estava conversando com Agildo. Ela olhou para trás e exclamou: “Solineide, é você”?! Abraçamo-nos.
Quando Rita Carvalhal não foi mais minha professora, dei a usar ainda mais o barco da palavra, porque as aulas de Geografia nunca mais foram as mesmas. Isso eu declarei para ela, explicando porque havia escolhido Letras, daí ela deu sua risada.

Luanda, 18 de Setembro de 2018.
(Solineide Maria)

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