PELA ENÉSIMA VEZ

Você quer se casar comigo? Ela perguntou pela enésima vez àquele homem que não dizia nada. Ele desconversou pela enésima vez e forrou a cama com um lençol que apanhara no armário. As pontas não conseguiram se adequar ao colchão e, como sempre, ela adequou-as, fixando bem devagar o elástico às bordas daquele colchão familiar. Ele perguntou (feito sempre) quer tomar banho? Ela respondeu... Não. Ela silenciou e sentou-se no sofá que dava para uma TV antiga, mas de imagem boa. Ela ouviu pela enésima vez a água caindo, depois de algum tempo de silêncio (ele tinha passado 10 minutos no vaso). Ele gritou que a água estava boa... Ela sorriu baixinho, chorando. Pensou em sair sem dizer nada. Mas ficou (pela enésima vez). E pela enésima vez fez sexo. E pela enésima vez levantou-se, tomou banho e esperou que ele acordasse para levá-la de volta para casa. No caminho se perguntava pela enésima vez por que fazia aquilo. Por que não acabava com aquilo ali... Por que não estudava Psicologia como a vidente havia sugerido... Ela não tinha respostas. Apenas perguntas. Outro dia, depois do sexo, na cama, ele disse que queria uma TV 90'. Ela respondeu que queria uma casinha, um cantinho, ter mais um filho, talvez... Ele já estava roncando... Pela enésima vez ele respondia o que queria, mas pela enésima vez ela não quis ouvir... 


Solineide Maria (Livro meu, em sua trigésima página - "Por que você ainda faz isso com você?")

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