SENHOR: se for para fomentar energias tais quais: o amor e o respeito, deixe-me ser esterco...

Tem um livro que me auxilia na vida, chama-se “Evangelho”. E gosto dele em todas as versões documentadas pelos apóstolos. 
Gosto em especial de Lucas. Sua narração me envolve como um manto cheio de carinho, feito quando uma mãe zelosa usa para cobrir a pele do filho: ou contra o frio ou contra a poeira. 
Ultimamente tenho preferido que seja para me cobrir da secura dos corações e das almas. Sei que é pueril achar que um manto me deixaria à salva da secura dos corações e das almas dos irmãos que me rodeiam, mas é preciso acreditar... 
Ontem fiquei até uma da manhã preparando slides extras para servirem de esteio às minhas aulas: APENAS a palavra não basta hoje em dia. Aliás, que não sei ao certo o que basta hoje em dia... Porque nem slides, nem vídeos, nem música e nem a palavra (coitadinha) parecem funcionar direito com nossa tão aclamada “geração y”. 
Depois de meu advento à sala, seguida de inúmeros pedidos de silêncio, prestem atenção e, por favor, fulano e beltrano, chego a ouvir, de determinado aluno, que ele precisava reclamar dos “professores-bosta”. O educando disse isso porque avisei à classe que iria ter reunião de pais e mestres e, na oportunidade, colocaria a “dificuldade” com relação às conversas persistentes durante a aula. Claro que podemos (todos) reclamar sobre o que não nos parece bom ou profissional, mas falta de respeito não combina com “reivindicação”. 
Fiquei angustiada. Frustrada. Envergonhada e humilhada. 
Angustiada por não saber mais o que usar para que o respeito seja entendido. 
Frustrada por ter “perdido” tantas horas de sono na intenção de que a aula fosse, afinal, mais interessante ainda. 
Envergonhada por saber que não merecia aquilo. 
Humilhada por ter noção exata de que a classe está perdendo para a geração y (tão aclamada pelos pesquisadores). 
Genericamente há nos atuais alunos (que não são estudantes, porque entre ser aluno e ser estudante há grande diferença) uma disposição para a falta de respeito que beira a agressividade verbal e física. Isso quando a física não vem à tona primeiro. 
Igualmente de modo geral, a situação parece lugar comum... E TÃO COMUM que vira notícia nas mídias de toda espécie. A gente lê, vê, ouve, lamenta e no outro dia as cenas (notícias) se repetem... Lamentei-me sozinha caminhando para casa, quando então iria me preparar para outra jornada, em outra escola... Chegando em casa comentei com minha mãe o ocorrido. Ela, não podendo fazer nada, também lamentou: “o mundo perdeu o respeito minha filha”. 
Entendi que minha mãe disse, em sua lamúria, que no meio de tudo não há mais consideração. No meio das relações o respeito é algo entre findo e desusado... Dar como findo o respeito entre as relações é muito triste... Outro acontecimento lastimável... 
Depois de certo tempo e de recompor-me emocionalmente, pedi socorro ao Evangelho. Fiz uma prece e abri o livro aleatoriamente. Eis que me deparo com a lição: "Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem" (Lc 23,34). 
Li aquela lição como quem tomava água. Água benta. Água fluidificada. Água de acalentar a alma. 
A advertência tinha sido o manto que esqueci de usar pela manhã, antes de ir para o trabalho (sala de aula)...
Que maravilha a sensação de alívio que experimentei. Que doce alento para minha triste ingenuidade. 
Quem disse que não sou mesmo uma coisa qualquer? 
Diante de tamanho ensinamento, quem disse que não me volvo em excremento para arar a terra dos corações ressecados e ressequidos? Corações que não conhecem respeito, caridade, paz espiritual, amizade e amor? 
Quem disse que em forma de estrume não posso servir como incremento para a produção de uma terra capaz de ser usada para a semeadura da mansuetude? 
Mais adiante, pergunto-me: Quem disse que sou mais do que simples fomento? Se Jesus foi tratado como coisa sem função, por qual razão eu não poderia ser mal interpretada? Ainda mais nessa contemporaneidade tresloucada?... 
Aquietei-me na leitura. Refletindo a lição dada pelo Mestre e tão bem escrita por Lucas. Pensei baixinho: 
Crucifica-me aluno... Crucifica-me se isso lhe faz sentir alguma coisa. Se dessa forma você conseguir sentir mais do que nada, peço-lhe: crucifica-me. 
Não vou chorar por mim, nem gostaria de chorar por essa geração, mas hoje preciso lamentar - o verbo mais usado para as notícias atuais... 
Li novamente, desta vez em voz alta, o trecho que diz: 
"Não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas, e por vossos filhos" (Lucas 23:28).
A leitura do texto de Lucas, aliviou minha face desrespeitada, e, mudando o verbo no texto, usei a prece do maior Pedagogo de todos os tempos: 
Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que DIZEM...

Solineide Maria 
Poetisa 
Professora

Comentários

  1. Sua narrativa contagia pela melancolia e força. Ao mesmo tempo que sinto um desabafo.. sinto a presença de uma força energética (e olha que não é" Nescau" rs)..que chega a intimidar. O leitor não tem como não refletir com suas interpelações, seu chamamento. Gosto de sua humildade mas gosto mais ainda da mulher pequenina por fora e grandiosa por dentro. Gosto de sua intimidade com o leitor..gosto da forma pertinente como você se apoia nas citações bíblicas, pois a meu ver o livro mais sábio só pode gerar "sabedoria". Como educadora compartilho com você sua angustia e vergonha. Como leitora só posso dizer...Obrigada.

    Rosa Ramos

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  2. Sol vc cada dia nos surpreende com seus belos textos você faz a gente sentir o texto , imaginar.Quando fiz a leitura me emocionei Ter você como professora é um presentão!! Rsrs amei o blog Beijos sua aluna Bruna

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