Humilde leitura de uma canção do Renato (Russo)
Independente da admiração que nutro pelo poeta
Renato Russo; não gostei de ele ter desistido de lutar contra a doença que lhe
acometeu. No entanto, a assertiva de Jesus não me deixa esquecer que sou
humana, demasiadamente humana e, por
isso, “não julgo para que não seja julgada”.
Graduei-me há um ano em Letras e comecei a me dar ao
“luxo” de investigar suas produções poéticas com olhar menos de fã e mais de pueril
técnica da linguagem. Ouço, respiro e calo.
Ouço, averiguo e escrevo que o poeta trouxe imensa carga de filosofia (por isso mesmo, reflexões) que ainda hoje instigam o ente no mundo.
Ouço, averiguo e escrevo que o poeta trouxe imensa carga de filosofia (por isso mesmo, reflexões) que ainda hoje instigam o ente no mundo.
Apreendi, não tardiamente, que além de leitor voraz
(já o sabia), o incansável compositor, sugere ter sido, grande professor da
elocução. Por vezes, ele próprio teria sido seu corpus, quando da arquitetura
de suas canções. Outras vezes, a própria juventude que ele tanto defendeu em
suas muitas mensagens, tornava-se “musa”.
Todas as composições (sem exagero) alcançam um nível
de doutorado da emoção e da razão. Talvez por ter sido “amante” da Filosofia,
tenha temperado suas escrituras, com as pompas da boa provocação, gerando mais
dúvida do que certeza em seus leitores-ouvintes.
Hoje experimentei o bom ócio. Ouvi muitas das músicas
da banda Legião Urbana, das quais, a maioria composta por este trovador da mocidade
dos anos 80/90. Comecei pela bela e instigante “A dança”.
Ando tentando entender o que se faz com a juventude
e o que a juventude faz de si... Difícil. Nesse instante ouvi a canção que me
diz:
Não sei o que é direito
Só vejo preconceito
E a sua roupa nova
É só uma roupa nova.
Você não tem idéias
Pra acompanhar a moda
Tratando as meninas
Como se fossem lixo
Ou então espécie rara
Só a você pertence
Ou então espécie rara
Que você não respeita
Ou então espécie rara
Que é só um objeto
Pra usar e jogar fora
Depois de ter prazer.
Percebi que Renato também brigava
com os jovens: aconselhando-os, dirigindo-lhes alguns recados, muitas vezes,
atravessados de denso discurso. A canção traz versos que dizem a partir de um
eu - lírico “insurgente” que o jovem (no caso, um jovem do gênero masculino)
entende a rebeldia como mero capricho, que, ao fim e ao cabo, “não passa de convencionalismo
antigo; concebido e imitado através dos séculos”.
Sexo e poder que sugerem caminhar juntos
durante séculos, entrariam nessa questão russiana
(?) de modo a rememorar o filósofo contemporâneo Foucault: estudioso célebre de tais temas. O filósofo citado diz
sobre esse poder, de maneira a fundar importantes teorias, inclusive, sobre a
questão da libertação homossexual.
Na canção, o eu - lírico narraria que ele sabe que o
jovem percebeu que o sexo “admite a possibilidade de prazer e poder”. Por isso,
faria uso da moça como uma peça para seu deleite. E seria moça - gênero
feminino -, pois que o verso diz: “Tratando as meninas
como se fossem lixo”.
Mais adiante, o poeta dispara que a
atuação de “moderninho” sob a qual o púbere da música se norteia, não passaria
de mera imitação dos que cruzaram por tal etapa, acomodando-se na posição de adultos:
“Você é tão moderno
Se acha tão moderno
Mas é igual a seus pais
É só questão de idade
Passando dessa fase
Tanto fez e tanto faz”.
Tal mocinho, como muitos iguais a ele, seria joguete
“das sensações moldadas pela ideologia dominante”. Um “coitado”, que no final
das contas, não tem nada de moderno e de revolucionário. Trataria de ser mais
um “fantoche” na mão da idade.
A canção é toda permeada de um tom quase agressivo
(senão todo agressivo) que vai fundo na alma – se deixarmos – fazendo questões
que parecem muito remotas, ressurgirem como novinhas em folha... A tal
“onipotência juvenil” surgiria no moço em questão, a partir da fúria em fazer
sexo, usando e desusando do corpo (próprio e do corpo de outro, outra). Uma
característica típica da fase da “onipotência juvenil”: a de sentir-se um deus,
e, em se sentindo assim soberano, nada indica que possa sair errado, nada
pareceria censurável, ou nenhuma circunstância ruim o afetaria.
Com esse “poder” da puberdade e o do sexo, o moçoilo
sentir-se-ia muito forte e capaz de tudo, e, chega a pensar: “Que se dane o
futuro”. Já que ajuizaria ter a vida inteira. No entanto, o poeta afiança:
Você é tão esperto
Você está tão certo
Que você nunca vai errar
Mas a vida deixa marcas
Tenha cuidado
Se um dia você dançar...
Trata-se de um recado à juventude daquelas décadas.
E por que não dizer, para a juventude contemporânea? Afinal, esta sugere mudar,
apenas, de calendário, mas não de características. Ainda mais quando se percebe
que:
“Passando dessa fase
Tanto fez e tanto faz.
Quando se lê - ouve - o verso "nós somos tão modernos,/ só não somos sinceros," poderia ser pensado que existiria certa contradição... Pois que a maioria dos jovens, tendo emergido da "rebeldia", ainda almejaria passar no vestibular; casar
e ter filhos(as) seja com que parceiro(a) for; ter casa na cidade e no
litoral (ou campo). Enfim, desejaria crescer e aparecer no jornal ou algum outro Edital.
Talvez, por ter ciência disso (e/ou por ter passado de tal etapa com marcas doridas),
Renato Russo tenha aconselhado, na canção averiguada, determinada parcimônia...
Solineide
Maria de Oliveira
Poetisa
Professora
ALUSÕES
FOUCAULT, Michel.
História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
Ótimo texto!
ResponderExcluirSuspeita em falar por ser tambem admiradora de Renato, mas nao se nega q sua musica é e será presente e atual por tudo. seja pela força da mensagem em q ele passa, pela riqueza d conteudo, conhecimento e paixao nas letras.
A interpretação foi perfeita. espero acomanhar outros estudos textuais, parabens!!!
bj