Era uma vez um frei... Salvou-me da desistência de mim para comigo. Andava triste por ter feito uma escolha precipitada  (pensava), além de incomodar diariamente minha irmã Sirlene, com chorumelas e queixumes, também ia ter com este religioso. Seu acolhimento paciente e recheado de poesia - muita poesia - alegrava minha alma, naquela etapa, cansada.
Foi Sirlene quem me indicou, quando disse assim: “Por que você não vai conversar com Frei Edilson? Ele é ótimo orientador”. No primeiro encontro já percebi a diferença daquele sacerdote que se confessou fã de Adélia Prado e Fernando Pessoa. Dentre tantos outros poetas e escritores. Começamos então, uma amizade literária.
Eu, que me preparava solitariamente para o vestibular, na intenção de dar uma guinada em minha vida trabalhista, levava para ele minha canseira. Com jeito de artista, aquela criatura iluminada, fazia da argila que levava na cabeça, lindos arranjos para enfeitar a estante da sala do meu espírito ansioso.
Trocávamos livros e dicas de títulos a serem lidos. E passei no vestibular para ingressar em Letras numa instituição pública. Ele ficou tão alegre quanto eu, mas me lembrou que “aquele era apenas um passo”.
Durante o percurso do Curso, me norteou numa pesquisa sobre a preposição “para” e, além disso, me emprestou um livro sobre preposição, datado de 1856.
Havia dias que a tristeza pelo desemprego me abordava com maior ênfase. Mas aquele ser divinal pronunciava: “Nem só de pão vive o homem. Vive-se de poesia, lembre-se!”
Além de tudo, Frei Edilson escrevia lindas crônicas poéticas para o Jornal Anúncio (da Igreja Santa Rita). E hoje, arrumando livros, separando textos do Curso que acabou em Agosto deste ano (enfim sou Graduada em Letras com habilitação em Espanhol), rasgando folhas antigas e guardando papéis avulsos, dei-me de cara com uma das crônicas deste amigo mágico, amigo encantado e encantador, amigo-poesia encarnada.
Coincidentemente, a crônica publicada no Jornal Anúncio - Ano VII – Nº 77, datado de Dezembro de 2005, é sobre o Natal. Conseguintemente, sobre Jesus. 
Saquei uns minutos do tempo desta manhã, para digitá-la e compartilhar com vocês todos, leitores amigos, conhecidos e virtuais, porque a poesia é pão que se deve repartir. Ao mesmo tempo, reverencio meu amigo frei que hoje mora em outra Igreja, noutra cidade, longe da possibilidade de continuar saboreando dos momentos de cura nos mistérios de suas palavras poéticas.
 
Natal Mortal: “por outro caminho” (Mt. 2, 12) 

Frei Edilson Bezerra OFMcap

Cada ano, no limiar do Natal, nossos corações mais uma vez se comovem com a saga de um Deus que, por assim dizer, não quis ser apenas espírito e concluiu que divino mesmo é ser humano. E se encarnou, nascendo de uma mulher, nos arredores da Casa do Pão (Beith-lehem), sobre uma manjedoura. Porque, assim, deixava logo claro que era o mais fino manjar que à Terra pode oferecer o Céu.
 A cena do presépio, para quem ainda tem olhos de ver, é um memorial de saudades e esperanças. Faz-nos lembrar nossas raízes e nossas asas. Tudo o que compõe - o jovem casal, o boi, o burro, os vaga-lumes, a estrela, os pastores, os anjos, os magos – tudo é signo tradutor de uma vida que nasce (natal) para morrer (mortal) e ressurgir, renatalizando nossa humana condição.
Narra o evangelista Mateus que “magos vieram do Oriente à Cidade da Paz (Jesrusalém) e adoraram o rei recém-nascido (Mt 2, 1-2). Vieram guiados pela luz do desejo (em latim desiderium) tem o mesmo natal etimológico de estrela (sider). Viver assim, e por conseguinte, assim caminhar, pro-movidos por esse desejo de encontrar algo ou alguém maior, mais inteligente e mais amoroso, diante de quem dobrar os joelhos, num êxodo e num êxtase deliciosos, posto que dolorosos, é o sonho, a saudade e a esperança mais ancestrais da humana condição.
Há quem diga que eram três reis. Três por dedução dos presentes oferecidos ao recém-nascido. Mas reis? Um rei que depusesse a coroa, deixasse o palácio e saísse à procura de outro rei, guiado apenas pelo luzir de uma estreinha, seria no mínimo, considerado louco. Não, não eram reis. Eram astró-logos: liam, no brilho dos astros a chama do desejo! Se Zaqueu, desejando ver a Jesus, encaminhou-se á uma árvore na praça de Jericó, por que não dirigir-se na direção insinuada por uma estrela?
Encerra Mateus seu relato dizendo que os magos, “avisados em sonhos de não tornarem a Herodes (quem vê a Deus sobre palhas não pode voltar à tirania do ouro) voltaram paa sua terra por outro caminho” (Mt 2,12).
É sempre assim. E não pode ser de outro jeito. Quem vê a Criança e nela reconhece o berço da vida, morre para o velho ego e vira anjo (angelo). Como quem vê o Espírito vira pássaro (pomba). E como anjos ou evangelhos alados, deixam de lado os trilhos da mesmice e da mormose; e pelas trilhas abertas pelo desejo vêm e vão anunciando alternativas (outro em latim, alter, daí alternativa), viabilizando uma vida m,ais mansa, mais justa, mais leve. Mais sã e salva.
O poeta Mário Quintana sugere que o aborto não é um crime, é um roubo: rouba-se às crianças a alegria de ver estrelas! Pois vendo-as e ouvindo-as, entendemos que o Céu ainda nos sorri.
Neste Natal do Senhor, desejo experimentar o que Zeca Baleiro sugere numa de suas composições: “Não quero ser triste como o poeta que envelhece (...). Nem quero ser alegre como o cão que sai a passear (...). Quero no escuro como cego tatear estrelas distraídas.”
E assim, quem sabe?, serei novamente reconduzido à Casa do Pão e da Beleza.
Jornal Anúncio - Ano VII – Nº 77, Dezembro de 2005.

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