A enxurrada de gente escoa para o metrô



A enxurrada de gente escoa para o metrô. Cada pessoa uma gotícula carregando seus sacos de medo, de angústia, indecisão e esperança. Mas esperança é bicho frágil...
A enxurrada de esperança escoa para o metrô, desce os degraus, entra nas frestas que as levam para lugares diferentes. Cada gota vai prum canto. Assim sozinhas, dispersadas, perdem o encantamento e a força. Cada gotícula separada, não diferencia nada, tornam-se coisas egoístas, pensam apenas em regar suas plantações de sonhos, querem um rio inteirinho para si, não olham a gota de esperança vizinha: desidratando.
Gotinhas separadas não sopesam, não compartilham. No entanto, reflitamos: juntas, elas compartilham? Naquela embarcação moderna, elas compartilham? Compartilham as frestas, ou estão ali porque estão, e pronto? Sabem de seus medos e angústias e alegrias e esperanças. Sabem dessa carga individual, sacola de medos e do mais?
Perde a graça aquela enxurrada, quando escoam para lugares ímpares. Então, a inutilidade da multidão em que se transformam, deixa uma dúvida pertinente, que atravessa o meu (nosso) dia: Seriam enxurrada de esperança, ou de egoísmo?
A enxurrada tem força que nunca saboreou, não do jeito mais sublime, dar e receber amor. Nisso vem e vão-se os dias, anos, séculos... E a enxurrada sem coragem de amar, de ser amada, de compartilhar suas fraquezas e fortalezas tornando-se argamassa forte. Compreende pouca coisa, apesar de antiga e gasta...
Há, no entanto, o dia em que essa enxurrada descobrirá não a força que ela tem, mas a força que não sabe aproveitar. Há de chegar o dia de essa enxurrada escoar para lugares dispersos, mas com a força multiplicada.
Há de chegar o dia de essa enxurrada compreender, que gotinha separada não carece ser gotinha egoísta e quando notar a gotinha vizinha, desidratando ─ doar um pouco de si: água-esperança das boas, porque água-esperança doada é de melhor qualidade.
Esse dia há de chegar, porque repetir história tem limite. Amor é que não cansa, e amor, não é história repetida, embora seja história incompreendida.
Nesse dia, as gotinhas não precisarão de embarcação. Terão comum entendimento, por isso, saberão sozinhas (embora não egoisticamente) seguir por frestas e vincos, levando sossego, porque o terão de sobra, mas, sobretudo solidariedade. Sopesando a vida, regando onde já exista, e encharcando tudo de paz, de amor e humanidade.

Início em São Paulo no ano de 2003. Término em Itabuna, 23-08-2010

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