D'O Livro da pessoa que Desassossegou (de Solineide Maria)

Sou um poeta sozinho que não sabe escrever.
Vivo apenas. Ou nem isto.
Sou um cidadão qualquer,
Ouço vozes, silencio...
Sou isto? Ou nem isto sou?

O que tenho aprendido?
Tantas vezes me detive num estudo muy frágil:
Procurar em mim, eu mesmo.
Não consegui. Não consigo responder.
E essas cartas...
Tolo, idiota, homem comum!

Já quis ser companheiro, não consegui.
Lutei com alguns sobre questões.
Mas palavras não resistem
Contra a verdade cotidiana,
Pouca e pequena.

É preciso comprar pão, carne, leite,
Pagar o aluguel, o café e a puta.
É preciso ter mãos para o trabalho.
Escrever poesia?
Ora! Vá trabalhar!

É preciso se apaixonar e mentir,
E dizer coisas banais.
Ninguém entende os que não amam comumente.
É preciso dançar a dança comum.
É preciso escrever o que os outros possam entender...
É preciso, sobretudo, se fazer entender feito todos esses outros.

Sou um poeta cansado.
Acordo, levanto, desjejum.
À tarde. À tarde. Atado.
Um ataúde a tarde em mim.

A Noite sim, me consola.
Bela, educada, sincera.
Revela em mim o silêncio que não sei
(nunca soube)
Definir.

A Noite dança comigo. Diverte-se,
Ri e me abraça muitas vezes.
É um abraço generoso. Não o mereço.
Ela é tão boa comigo, e eu, sofredor de mim,
Minhas dúvidas... Escrevo apenas poemas
Sem utilidade.

Para que serve um poema?
A Noite me perguntou um dia.
Eu, talvez mais pueril do que idiota, respondi:
Não sei.
Para desassossegar, falei depois.
Ela sorriu me abraçou e saiu.

Amanheci cansado, sonolento e sedento. Com a pergunta da Noite a me perseguir os passos. Para que serve um poema? Num dado momento, para descansar a voz. Pode ser não pode? Cansada já, às vezes nem ouvida, o poema talvez, tenha tal utilidade. Descanso para a voz. Depois, vendo um velho no jardim da praça, olhar perdido... Refleti que aquela pessoa, se pudesse, poderia se alegrar com um poema (a depender do teor da obra escolhida). Um poema, apenas um poema, basta, muitas vezes, para asseverar sobre uma vida inteira. Para quê meu Deus?! Serve para se ficar calado? Para não ficar calado? Agora devo parar. A vida bate e a hora é dos operários voltarem para cassa. A Noite com suas mãos indispensáveis espera, lá fora, por todos nós.
E eu, que sou um poeta sozinho,
Que não sabe escrever, preciso muito dessa minha amiga.
Levarei para ela, tais respostas possíveis,
As que consegui abranger,
Sobre a utilidade de um poema.
Ela dança comigo e é tão bom.


Solineide Maria
Este material está para ser publicado... Chama-se por enquanto: O Livro da pessoa que Desassossegou.

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