O silêncio

Exceto a luz do enfeite natalino que brilha pendurado na janela do prédio vizinho e ultrapassa a janela da sala em penumbra, piscando em cores multicoloridas, não há nada mais que anuncie dentro da casa algum tipo de vida. Digo, vida além da minha andando pelo corredor que liga os cômodos, numa ansiedade meio tédio, meio tristeza, meio amargor.
Ainda ontem um amigo perguntou-me com um entusiasmo frenético, onde iria passar a noite de Natal. Respondi seco e rápido: em casa. Ainda assim deixou o convite de passar com ele e sua família a noite do nascimento do Menino. Naquele momento não tinha idéia de como a solidão em noites assim é cruel, e nem me dei conta de que há um mês estava separado.
Poderia, se tivesse entusiasmo, ligar para aquele amigo e anunciar que precisava de companhia para tal noite, e aceitar o convite refutado em noite anterior. No entanto, não encontrava nenhum ânimo para pegar o telefone e discar os números.
Lembro-me do último Natal em casa quando ainda estava casado. Muitos presentes foram trocados, muita bebida. Os sorrisos falsos ardendo de mentira. Ali percebi que a hipocrisia não me caía muito bem. Ali também meu casamento se mostrou opaco, sei lá, acho que fosco... Mesmo assim, sinto falta daquilo agora. Acho que da presença de gente e euforia. O Caetano está certo naquela música, quando diz que precisamos reconhecer o valor necessário do ato hipócrita.
Boa idéia: posso ouvir Caetano Veloso e beber cerveja, e descansar os pés, as pernas, o ombro, os rins, o coração, a bacia, o pulmão, a cabeça. Sei não... Caetano mais instiga que asserena. Ainda mais nesse cd Ce, que é um jogo triplo de palavras e intenções. Melhor não. Deixemos o Caetano descansando impávido no disco brilhante dentro de sua bela, simples e bem pensada capa.
Abro então a geladeira num misto de vingança e horror ao silêncio da cozinha, talvez uma cerveja me escolte e instigue a ligar a TV, talvez... Quando chego à sala e as luzes voltam a lembrar que é noite de Natal, desisto imediatamente da idéia. Também, TV pra quê? Certamente o que estaria infestando os vários canais, seriam as notícias sobre a festividade natalina.
A cerveja, embora na temperatura ideal, não me apetece nenhuma vontade. Meu único desejo é que a tal noite de Natal voe para longe e alcance a manhã.
O telefone, impávido, continua residindo em seu lugar convencional. Talvez alguém tenha telefonado enquanto estive no banho, ou na mais cínica das hipóteses que tento inventar para meu ego destratado, ele estivesse com algum problema técnico. Pego o aparelho e ouço o som de linha. O telefone está ótimo amigo, deixe de bobagem ninguém ligou mesmo, simples assim.
Estou irremediavelmente sozinho nessa noite de Natal. E fico pensando: o que será que esse silêncio quer dizer? Os filósofos dizem que o silêncio também é linguagem. Papo furado. O silêncio é essa agonia em busca de uma palavra qualquer, um consolo qualquer, numa urgência que incomoda e dói até as unhas.

Solineide Maria de Oliveira

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