DOMINGO DE PÁSCOA: MINHA LIBERTAÇÃO A PARTIR DE ELIS REGINA!

“Depois da perereca vem o grilo/cri/cri/cri.” 

 Não me considero preconceituosa, mas convenhamos... O que dizer do refrão acima? E depois de quinhentas repetições, desde as 08h00 da manhã de um Domingo de Páscoa? 
E o que dizer do verso, não menos “bizarro”:
“rala a tcheca no chão/a tcheca no chão”- mil vezes a tal da tcheca no chão?! 
O que pode uma criatura fazer contra esse tipo de ataque madrugador, em pleno domingo-feriado? 
Tudo isso, quando se está envolvida em muitas atividades para correção (sou professora)... 
E vai uma música (?), vem outra e a transgressão dom bom senso (bom tudo, na verdade) desempenha o escárnio às partes íntimas das moças:
“Passa na cara dela/na cara dela/passa a... na cara dela!” 
Não aguento! 
Levanto da cadeira onde tento corrigir provas e planos e ler textos e estudar uma prova! 
Levanto cheia de decisão!
Tenho de fazer alguma coisa contra isso e pronto! 
Saco da estante de livros e CDs a maravilhosa Elis Regina (1973). Primeira música: 
Oriente, de Gilberto Gil. Aumento o som de um coitado Philips 4,0WRMS e danço aos berros! 
Enquanto isso (meu som não é um carro de som, arma do vizinho...) dá para ouvir:
“na hora “agá” que é gostoso/não é precoce não/beijou pegou/acelera e vai/tatatatatatatata acelera e vai!” 
No entanto, demora pouco e O caçador de esmeralda me traz a salvação! Olavo Bilac? Não. Ou talvez sim, mas a “pequenina” Elis me salva da impunidade desse dia de domingo cheio de nadas sonoro... 
Avante querida! Ela brada com a próxima canção: a mais bela do cd? Não sei! Todas são igualmente belas e grandes e eternas, feito a moça forte, filha de mãe lavadeira e pai pobre:
“Andar/pacatá/que Deus tudo vê!”. 
“Agnus sei que sou também” Elis querida! 
Continuo no caminho de ouvir a voz que nunca cessa em nossa alma (a dos que têm alma de ouvir). 
Quando ela diz: 
“só quem tentou/sabe como dói/vencer satã só com orações”, lembro de mim e minha peleja musical... 
Só quem tentou Elis! 
Só quem tentou sabe como é difícil vencer esse “som” (?) que entra em minha sala, cozinha, quarto, tímpanos, apenas com um Philips 4,0WRMS! 
Sambo do meu jeito pela cozinha com janelas cerradas (para defesa das “canções” que vem de fora) e grito como em devaneio: 
“fazer um gol nessa partida/não é fácil meu irmão/entrou de bola e tudo!” 
Já sinto a luz entrar em mim, com a voz de Elis me abençoando grandemente num tango mais que perfeito... 
Que realeza de voz, de interpretação! 
"Um cabaré" cheio de classe acontece de aparecer na cozinha, cato uma flor de plástico cor cenoura e imito uma moça dançarina: 
 “quem sabe de mim/quem sabe dos outros/quem sabe das grades/dos muros.” 
Ai “a lama de não ser o que se quis” querida cantante! 
Talvez se alguém me visse, pensaria que a loucura é definitiva. Sorrio. 
Continuo a dança e me emociono:
“lá fora a luz do dia fere os olhos.” 
Em verdade: lá fora a “música” fere os ouvidos... Não ligo! 
Estou subindo a ladeira e novamente dou minha sambadinha e de repente grito:
“que nem lá/na Ilha do Frade/essa ladeira...” 
Rememoro que faz algumas décadas que subo e desço a ladeira Santa Luzia (Bairro Mangabinha), a mesma ladeira onde o carro de som está tocando umas coisas... Nunca ouvi "coisas" tão horríveis.
A canção de Gil, belamente interpretada por Elis Regina, trouxe-me um fato de volta: quando estive em São Paulo, escrevia longas cartas para todos os maigos e parentes daqui (Itabuna), mas quase não as postava. Coisa feia não é? No entanto, trouxe-as e entreguei-as pessoalmente. Escrever escrevi... 
“Salina das Margaridas/essa é a ladeira da preguiça...” 
Tomei um copo de suco, sentada para descansar e ouvir quietinha a maravilhosa Folhas Secas. Gente do céu! Que composição maravilhosa! Que interpretação de ouro! Que coisa mais rica! 
Fico com dó das moças na calçada da casa cujo carro de som está encachaçando o ar da ladeira. 
Dá vontade de chamá-las para ouvir comigo essa música, dá vontade de trazê-las para a luz!... Mas elas estão abandonadas ao delírio de um verso infeliz que diz mais ou menos assim: 
“quando ela desce... quando ela sobe...” 
Lembro-me da fala de Jesus: “quem tem ouvidos de ouvir que ouça”. Acho que aquelas moças ainda não têm ouvidos de ouvir... 
Ressuscito feliz com a belíssima composição "É com esse que eu vou".
Vou todas as vezes com esse belo som para bem longe da ignorância desses vizinhos que pensam que democracia é acordar os outros às 07:30, com um refrão infame sobre as partes íntimas das mulheres sendo rasgadas no chão. 
Posso até sambar na multidão, mas só se for com Elis! 
Aí sim vou:
“sambar até cair no chão!
Com Elis eu vou desabafar meu coração!
Sambar na multidão!
Com ela eu vou, desabafar meu coração...
Com Elis eu vou! 
Desabafar na multidão!”

Comentários

  1. sofro desse mal, mas não sei escrever...
    Sika

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  2. Oi Soly,
    você escreve cada vez melhor. Sou fã!
    Lili (SP)

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  3. Dia desses pedi ao vizinho permissão para conversar com meu amigo em minha cozinha! Não nos ouvíamos devido o som potente do vizinho!
    E esse meu amigo levou um cd dele e pediu para o seu vizinho colocar na próxima leva de musicas, o vizinho pegou o cd e flou que sim... Como vê, não estás sozinha nessa peleja! rs
    Bjo. Neide

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